Amontoado, de Ivana Guimarães Ferreira

Leia abaixo dois poemas de Amontoados, de Ivana Guimarães Ferreira:
 
 
Abandono
 
ele saiu numa terça-feira,
sem aviso,
sem explicação.
deixou para trás
uma aliança
e o eco das promessas quebradas
e dos gritos frustrados.
ela ficou.
com o silêncio das paredes
e o peso de um lar que já não era lar.
com as dúvidas como um coro
em looping na mente:
 
"o que fiz de errado"
"por que não fui suficiente?"
“o que eu poderia ter feito?”
os dias passaram devagar,

como se o tempo tivesse abandonado o relógio,
e o relógio não refletisse o tempo.
como se as horas tivessem abandonado os dias
tal como ela fora abandonada.
perdida no espaço que
os dois sempre se encontraram.
Tudo mudou.
 
***
 
Caleidoscópio Monocromático
 
Por trás das cores,
eu sou preto e branco
e não é pelo time do peito
que na pele tenho tatuada, a estrela.
Talvez seja por ignorar minhas dores
ou por deixar de dançar meu tango
e pelo abandono que me assombra o leito
e por cada lembrança que tento deixar enterrada.

Por trás do arco-íris,
eu sou como o céu nublado
vivendo em um eterno teatro
e sorrindo como se por dentro não fosse tudo oco.
Tenho pensamento vis,
mas é amor que canto
na tentativa de enganar o público em cada ato
e fingir que meu mundo não ficou louco.

Por trás do caleidoscópio,
eu sou escuridão
que me preenche sempre que fecho a porta
e me deparo com a rotina vazia
de uma vida infestada de ócio
e mais ainda de solidão,
enquanto devoro outro pedaço de torta.

Por trás do prisma de cor,
eu sou carvão
que queimou depois de cada briga
e depois de anos ficou esquecido no canto, sozinho.

Todos os dias, me pinto para fugir da dor
e esquecer do grande mistério de sua partida
que até hoje me intriga
e me faz devorar outra taça de vinho.