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Carne de luta

Carne de luta

Leia abaixo três poemas de "Carne de Luta", de Jéssica Regina:

UM GRITO DE ÁGUA

Água?

Vida!

Quem mandou você meter a mão?!

Água fonte de destruição...

Culpa da água?

Da água não!

Água na boca, água na bica

Água que não tá boa

Água desceu

Boca secou

Bica fechou

Água subiu

Ponte sumiu

Ninguém viu

Água...

Salgada no choro do sertanejo

Cansada no suor do ribeirinho

Rara que não cai do céu

Cara quando enlatada

Água no teto,

na poça no chão

Infiltração

Água na terra seca

Que não encharca

Matando o gado

Água que arrasta o barranco

Desfaz o encanto

e desmonta o barraco

Água na fonte

Cartaz do seu comício

Desperdício

Água que é o início

Fez-se dela o fim

O seu sim que fez o não!

Quem mandou você meter a mão?!

***

BAILE

Dancei

Entrelaçando minha perna nas tuas, dancei

Subi e desci

Fazendo do atrito faísca

Do calor suor

Dancei

Minhas mãos em ondas sobre tuas largas costas

E as unhas escreveram a partitura

Dancei língua em teu pescoço e orelhas

Molhando o som

Te cantei segredos de prazer

E me cantaste gemidos

No último ato

Me agarrei a teus cabelos crespos

Pretos como tu

E eu

Mordi teus lábios grossos

E beijando-te sedenta

Te entreguei meu corpo

E assim me conduziste

No mais sensual balé negro

Que aquelas paredes aplaudiram.

***

A PRETA QUE SOU

Me olhei no espelho

e me vi preta!

Não era a primeira vez

mas nunca antes desta cor

Me olhei no espelho

me vi negra!

Do jeito que não cresci

Com o cabelo que nasci

Me olhei no espelho

e me descobri

Com um padrão novo

De uma imagem ancestral

Me olhei no espelho

e sorri

Minha beleza é de Ouro

Negro é meu tesouro

Me olhei no espelho

Nunca mais igual

Minha carne é de luta

Não de carnaval

Me olhei no espelho

e a princesa era eu...

Não loira, não lisa, não magra

Nem branca, nem santa, nem fada!

  • Informações do produto

    Capa comum: 88 páginas

    Formato 14x21

    Editora Libertinagem 1ª edição

    São Paulo, 2022

  • Sobre a autora

    Jéssica Regina, 30 anos, mulher preta, mãe, poeta e palestrante. Graduada em Letras (português/literatura).
    Ganhadora do 1º Prêmio Dandara e Zumbi dos Palmares na categoria Literatura na cidade de Volta Redonda/RJ.
    Participo de duas publicações, as antologias "Parem as Máquinas!", do Selo OffFlip e "Poetas Negras Brasileiras" organizado por Jarid Arraes publicado pela Editora de Cultura.

    Escrevo desde criança e a memória mais antiga que tenho de um poema é de um trabalho da escola de quando tinha por volta de dez anos de idade. A poesia é minha melhor forma de expressão, com ela não há rateios, inseguranças nem hierarquias, ela é produto do processamento de ideias, emoções, sensações e observações, é resposta aos estímulos que me cercam.

    Desse lugar no mundo em que me encontro, mulher preta, mãe de um menino preto, filha de uma família de operários e de trabalhadoras domésticas, me entender como poeta, escritora e artista é ultrapassar a barreira social entre aqueles que são aptos para a intelectualidade e os que vão manter o trabalho braçal na família.

    Carne de luta é um tanto de mim que entrego para os leitores, são faces de uma poesia que denuncia, reivindica e também ama.

R$ 40,00Preço
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