Cartas dos sertões, de Joana Tavares

Leia abaixo um trecho especial de Cartas dos sertões e um dos primeiros poemas do livro de Joana Tavares:
 
Madalena expurga algo que ela não sabe o nome nem a duração.
Ela sente, ela escorre nas passagens. 
Corredeira.
 
Planos para chorar

Enquanto passeio em uma loja, em busca de
futilidades necessárias para a ordem da casa,
prometo-me internamente: quando entrar no
carro, depois de colocar a criança na cadeira,
sentarei à frente e, enquanto dirijo, vou chorar.
Dou por mim e já estou em casa, entre papéis e
brincadeiras de princesa, e me lembro da minha
promessa não cumprida. Olho para os espaços
do tempo e da geografia e não vejo um lugar.
Internamente planejo, prometo-me, alguma
hora, na primeira oportunidade, irei chorar.
A vontade vem, mas agora estou ocupada no
preparo urgente da sopa com pão enquanto
respondo porque os morangos apodrecem.
Talvez, mais tarde, na hora de dormir, consiga
lembrar um pouco desta dor tímida, guardada
cuidadosamente no intervalo das horas, nas
entrelinhas das coisas.
Quem sabe, depois que a criança dormir, guardo
a sopa já fria na geladeira, sento no sofá e, na
companhia de um livro ou violão, choro. Mas já
será tarde, terei adormecido enquanto converso
sobre dinossauros com pernas longas como as
minhas, enquanto explico que não precisamos
ter medo de sermos devoradas pois, sim, é
verdade que os dinossauros percorrem todos os
caminhos, mas não os do tempo. Os caminhos
do tempo, o que são? São aqueles que ligam o
ontem, o hoje e o amanhã. Silêncio.
A sopa passará a noite esquecida no fogão e
posterguarei mais uma vez meus planos para
chorar.